25 setembro, 2009

A cozinha da cozinha

Adoro boas histórias!!!!
Sabe que ando pensando em pleitear uma vaguinha como lavador de pratos, vai que me dão a chance de cozinhar pra brigada?!?!?!?!?
do Caderno Paladar, Estadão - pelos repórteres Olívia Fraga e Luiz Henrique Ligabue







Tem gente que vai ao La Casserole para comer a blanquette de veau, outros gostam do magret de canard, ou das tripes caen. Mas não é isso que os funcionários preferem. Para eles, o melhor prato do restaurante são cubos de pernil, acompanhados pelos triviais arroz, feijão, salada e guarnição. O prato é preparado no maior capricho pelo Grande – o chapeiro que há mais de uma década manda para o salão filés e cordeiros.

A história se repete na cidade, já que os funcionários comem onde trabalham. E em cada casa, o almoço e o jantar têm um jeito próprio e um cardápio exclusivo bem diferente daquele oferecido no salão.

O Caderno Paladar, do Estadão, entrou nas cozinhas e descobriu muitas coisas, entre elas que 11 horas é hora do almoço e o jantar começa às 18h; que 30 minutos são suficientes para uma refeição; que cozinheiros se revezam na tarefa de alimentar os companheiros; e chefs, restaurateurs, cozinheiros, gerentes, copeiros, maîtres, sommeliers, administradores e manobristas sentam-se lado a lado no salão, dividindo o mesmo "básico" das cozinhas: arroz, feijão, carne, salada e, se as nutricionistas deixarem, macarronada. Tudo no mesmo prato.



Alguns casos curiosos:


La Casserole


Arroz e feijão tem sempre. Já as massas, saladas e proteínas que acompanham o cardápio dos funcionários do La Casserole variam. Quem prepara tudo isso? O arroz é obra do Cabral e o feijão, do Rodrigo. O resto, depende do dia. As "misturas" obedecem a um rodízio de praças (subdivisões de uma cozinha profissional). Dia de carne, a turma da chapa entra em ação. Grande é o autor do clássico de maior sucesso de fora do cardápio: o pernil. É o prato preferido do pessoal da cozinha. No dia de peixe, quem assume as panelas é o Pedrinho, especialista no assunto. Duas saladas e suco completam o cardápio, que vez ou outra ganha também uma sobremesa.
As refeições são servidas no salão reservado do restaurante. Baixelas e réchaud são colocados em linha e a brigada (cozinha, salão, administração e manobristas) vai se acomodando aos poucos. A subchef Flávia Geraldini, além ajudar a administrar a cozinha do La Casserole, é a encarregada de supervisionar a refeição dos funcionários, das compras à definição do menu. Ela também cuida para a mão não pesar: "O pessoal da cozinha gosta de pimenta...", entrega. (( essa foto tem uma carinha de comida caseira, né?))


PERNIL À LA GRANDE Uma receita simples, como ensina o próprio autor, o Grande. Corte o pernil em cubos e deixe marinar por uma noite no azeite com alho, temperos verdes e pimenta-do-reino. No dia seguinte, refogue em uma frigideira. Quando a carne estiver quase pronta passe para uma assadeira, com azeite, e deixe dourar em forno quente.


Kinoshita

Sabe qual é o melhor prato do Kinoshita? Rabada. Quem garante é um grupo de frequentadores assíduos que dispensa molho yuzu, karasumi e wasabi e prefere o prato de sustância, acompanhado de farofa e suco de abacaxi. É a equipe de funcionários, que passa muito bem, satisfeitíssima com a rabada e a macarronada com arroz e feijão semanais. "Se fosse por eles, era arroz, feijão e rabada todo dia", conta a nutricionista Carla Shwafaty, enquanto faz sinal autorizando a tropa a se aproximar das panelas para se servir. "Fiz um cardápio equilibrado, com salada, suco, carne, e eles gostam de surpresas às vezes."

Mas com a rabada não tem como fazer segredo: quando Carla antecipa o cardápio da semana para alguém, o boca a boca trata de fazer com que os 40 funcionários – 15 de manhã, 25 à noite – saibam da novidade. Nesse dia a brigada bate cartão mais cedo só para não perder a boquinha.

Os cozinheiros se revezam na tarefa de cozinhar para os colegas. Entram perto das 10 h para preparar a refeição, servida no bar. Na primeira visita do Paladar havia espaguete (com molho de tomate e creme de leite) e frango grelhado com salada verde e tofu com shoyu, gengibre e azeite, que havia sobrado de um evento da véspera. A untuosa rabada de quinta-feira, preparada pelo trio Rafael, Bjorn e Leo, fez o barman Horinei se lembrar do Piauí, onde nasceu. Vinte minutos depois (o almoço termina às 11h30), a fome dá lugar à leseira. Alguns acompanham a música que sai das caixas de som e outros se refestelam na cadeira, descontraídos.
CHEF-CRÍTICO O Paladar flagrou o chef Murakami debruçado sobre um prato de massa. Com ares de crítico gastronômico ele sentenciou: "Delícia de macarronada, equilibrada, muito boa"


Eñe

João sai do Grajaú às 5 da manhã em direção à R. Dr. Mário Ferraz, 213. Contratado há quase três meses como "pia" (lavador de louças e ajudante geral), é o mais famoso cozinheiro de brigada do Eñe. Seu arroz, feijão e carne de panela são tão caprichados que o chef executivo Flávio Miyamura quer colocar o rapaz no fogão. "Ele era vizinho do nosso manobrista, que o indicou para o emprego. Fui percebendo que a turma elogiava muito os almoços que ele fazia. Ele está com tudo", brinca Flávio. João, envergonhado, fica só atrás do balcão, sorrindo.

Para os 25 funcionários que almoçam no Eñe todos os dias (à noite são 30), divididos entre o bar e as mesas do salão, João varia o tempero do arroz, incluindo bacon, queijo, tomate, cenoura, o que encontrar no mercado, onde a subchef Carol vai duas vezes por semana para abastecer a brigada.

Purê cremoso, homogêneo, perfumado de manteiga. O panelão de feijão está salpicado de bacon. Todo dia é assim caprichado? A turma garante que sim. Dia desses, João aprontou uma feijoada a pedido de Leonardo Portugal, o sommelier da casa. "Ele trouxe tudo lá do Mercadão. Tinha pé, orelha, bacon...", fala baixinho João, timidez latente. Inesquecível mesmo foi o frango à parmegiana, polvilhado de farinha de trigo, depois banhado no ovo e passado na farinha de rosca.

No almoço de sexta, alguém lá no fundo manda perguntar do feijão branco. Gargalhada geral. João não explica o que é, ouve e deixa que expliquem por ele. Flávio se antecipa e conta que, certo dia, deixou feijão branco de molho para fazer fabada como sugestão do menu. Dia seguinte, cadê o feijão que estava aqui? João tinha usado no almoço dos funcionários.


A Figueira

Já passa das 11h30 e os perfumes que saem das panelas na cozinha do A Figueira Rubaiyat fazem salivar. Cento e cinquenta pessoas vão poder comer os pratos que estão ali. Mas nenhum deles é cliente.

Em poucos minutos, grandes travessas de inox são colocadas lado a lado formando um bufê dentro da cozinha: arroz à grega, feijão bem temperado, farofa, espaguete ao sugo, carne assada ao molho madeira, salada de folhas verdes, uva e quadradinhos de brownie para a sobremesa.

É tanta gente que os funcionários do restaurante precisam comer em dois turnos: o primeiro grupo se serve antes da abertura da casa e o segundo, por volta das 15h30. Come todo mundo, do chef ao manobrista.

"Arroz, feijão e farofa não podem faltar, eles adoram", diz a nutricionista Adriana Cardoso. As variações ficam por conta das saladas, guarnições e do segundo prato, que pode ser uma massa, estrogonofe ou frango assado, entre outros. Sábado é dia de feijoada e, domingo, macarrão com frango.

Já os peixes... "Eles são servidos, pelo menos, uma vez por semana. Mas muitos não comem e trocam por ovo", conta a nutricionista. "A gente gosta é de carne", sussurrou um dos funcionários no almoço da última sexta-feira. "É claro que quando sobram aparas de carne, a gente aproveita", afirma Adriana. O toque final é dado pelo Joel, cozinheiro da brigada.

LISTA DE COMPRAS DA SEMANA
60 kg de capa de filé
70 kg de arroz
21 kg de feijão
60 kg de frango
17 dúzias de ovos
25 kg de farinha
30 kg de merluza
20 kg de linguiça


Jardim de Napoli


Se o ambiente das cantinas evoca uma grande família, no Jardim de Napoli, uma das casas mais tradicionais da cidade, todos os dias acontece um verdadeiro almoço de domingo, tanto às 11 h como às 18 h. São 75 pessoas por turno (incluindo os funcionários do empório do outro lado da rua, manobristas, equipe da cozinha e salão). Os primeiros a chegar ao trabalho vão pegando as panelas e dando andameanto ao cardápio.

A planilha, feita por um nutricionista, fica colada na parede, com a descrição dos menus da semana.Não há repetição. Duas saladas, arroz, feijão, guarnição, prato principal, sobremesa e suco. Tudo ali segue uma ordem. As massas – especialidade da casa – são reservadas para os fins de semana e datas festivas. Mas pelo menos duas sextas-feiras por mês é dia de pizza. Não há um prato de sucesso, no entanto, quando aparecem gratinados, bifes e frangos na chapa a saída é mais que garantida.

Quem come mais ali é um funcionário atleta, o Pintado dos serviços gerais – Edson de Medeiros. Ele é maratonista e capricha na "montanha" (ops!), prato de salada e nas proteínas. "De vez em quando abro espaço para os carboidratos, para aumentar o gás. Mas não exagero para não engordar." Todos os dias, antes do serviço Pintado vai ao Parque do Ibirapuera e faz sua rotina de treinos, com tiros e longas distâncias. Chega faminto para abastecer o corpo na cantina.

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